31 January, 2007

Uma lição de historia (parte II)

A questão Palestiniana

Parte II: 1929-1948

Em 1929 ocorreu o primeiro conflito grave, causado por uma disputa religiosa entre judeus e muçulmanos em Jerusalém, seguida de confrontos em Jerusalém e Hebron que deixaram mais de duas centenas de mortos.
Em 1936, os palestinos começaram uma greve geral, repetindo-se em escala muito maior a seqüência dos eventos de 1929 com violência árabe e resposta britânica. Paralelamente a esses eventos, os sionistas estruturavam seu poderio militar – através da Haganah, órgão de defesa oficial, e dos grupos para-militares dissidentes Palmach, Irgun e Stern, que adotaram táticas terroristas.
Após a Segunda Guerra Mundial, o movimento de judeus imigrantes para a Palestina aumentou significativamente. Os sionistas começavam a batalha contra a Inglaterra, atacando seus postos e tomando suas armas para o conflito que viria a seguir, ao mesmo tempo em que faziam gestões junto à Checoslováquia para a aquisição de mais armamento. Com o fracasso dos planos de partilha propostos pelos ingleses, o assunto foi levado às Nações Unidas.

Em maio de 1947 instalou-se a Comissão Especial das Nações Unidas para a Palestina (UNSCOP), que terminou suas investigações em agosto. A proposta da comissão foi levada a votação em assembléia presidida pelo representante brasileiro na ONU, Ministro Oswaldo Aranha, em novembro de 1947.
Colocado em votação o plano de partilha da UNSCOP, o resultado foi o esperado, uma vez que as grandes potências haviam decidido seus votos favoravelmente à partilha: 33 países votaram a favor, 13 votaram contra e 10 se abstiveram. “Na Palestina, os judeus foram para as ruas e dançaram toda a noite na euforia da realização bíblica”, relata o historiógrafo sionista Dan Kurzman.
Entre os treze países que votaram contra a partilha estiveram os países árabes, que declararam em seguida que não se sentiriam obrigados a cumprir a determinação da Assembléia, uma vez que esta contrariava os princípios da Carta das Nações Unidas. O representante do Líbano, o futuro presidente Camille Chamoun, denunciou em seu discurso as manobras de bastidores efetuadas por representantes sionistas para angariar votos de países menos importantes, o que reverteu o resultado esperado:
“Eu posso bem imaginar a que pressões, a que manobras o seu senso de justiça, igualdade e democracia foi exposto durante as últimas 36 horas. Eu posso também imaginar como vocês resistiram a todas essas tentativas para preservar o que temos de mais querido e sagrado nas Nações Unidas, a manutenção dos princípios da Carta e a salvaguarda da democracia e dos métodos democráticos da nossa Organização. Meus amigos, pensem nestes métodos democráticos, na liberdade de voto que é sagrada a cada uma das nossas delegações. Se nós tivéssemos que abandonar isto pelo sistema tirânico de abordar as delegações em seus quartos de hotel, em corredores e ante-salas, ameaçá-las com sanções econômicas ou dar propinas e fazer promessas para compeli-las a votar de uma forma ou outra, pensem no que a nossa Organização tornar-se-á no futuro.”
Em função de seu papel como presidente da Assembléia e por ter se declarado favorável ao Plano de Partilha, Oswaldo Aranha é considerado pela historiografia oficial israelense como um defensor de Israel. Dan Kurzman, por exemplo, define-o como “amigo dos sionistas”, preferindo não levantar a hipótese de que ele apenas estivesse favorecendo a posição dos Estados Unidos e Inglaterra, conforme de fato foi orientado a fazer pelo Ministério das Relações Exteriores, ou de que tenha vislumbrado a possibilidade de que os judeus deixassem de imigrar para o Brasil e que “Copacabana voltasse a ser carioca”, uma vez que parte da Terra Santa se tornasse território judaico.
Para os sionistas, a partilha era vista como um compromisso provisório, até que fossem dadas as condições para a realização total do sonho sionista. Isto fica claro nas palavras de Ben-Gurion, que assim qualificou sua aceitação do esquema de partilha defendido pelos ingleses no final dos anos 30: “O Estado judeu que agora é oferecido para nós não é o objetivo sionista. Dentro desta área não é possível resolver a questão judaica. Mas pode servir como uma etapa decisiva em direção à grande implementação do sionismo. Irá consolidar na Palestina, no menor tempo possível, a real força judaica que irá nos levar a nosso objetivo histórico. (...) O Estado judeu terá um exército fora do comum – não tenho dúvida que o nosso exército estará entre os mais espetaculares do mundo – e assim estou certo que não seremos impedidos de nos assentarmos no resto do país, mesmo que fora do acordo e entendimento mútuo com os vizinhos árabes.”
Quanto às estratégias sionistas para lidar com a previsível resistência árabe, eram baseadas num consenso sobre a questão árabe marcado por três premissas inter-relacionadas:

1) o movimento sionista não deveria esperar nem buscar a aquiescência dos árabes palestinianos;
2) o sucesso da empresa sionista seria dependente do apoio de uma (ou mais) Grande(s) Potência(s);
3) o conflito da Palestina deveria ser resolvido no enquadramento de uma aliança regional subordinada aos interesses da(s) grande(s) potência(s).
Em protesto contra a partilha de seu país, o Alto Comitê Árabe Palestiniano, formado pelas famílias de notáveis palestinianas, convocou uma greve geral. Proliferavam os combates entre judeus e palestinianos, uma vez que com a partida progressiva dos ingleses, as forças paramilitares judaicas podiam operar mais livremente. “Sabotagem, ataques a instalações militares e a captura de armas inglesas por estes grupos tornaram-se uma característica principal da cena palestina, ao lado da proliferação dos confrontos entre árabes e judeus.”
Com os eventos levando a região rumo a um grande conflito armado, a Inglaterra anunciou que terminaria o mandato em 15 de maio de 1948 – vários meses antes do que fora definido no plano das Nações Unidas – e apressou a retirada de seu pessoal. Nessa retirada, pressionados pelas forças paramilitares judaicas, os ingleses deixaram para trás boa parte de seu material bélico, que foi apropriado pelos sionistas (mesmo a bibliografia sionista não esconde este fato, porém o reinterpreta: “Enquanto os agentes da Haganah usavam todos os meios possíveis para canalizar armas e equipamento militar americanos para a Palestina, para a batalha de sobrevivência que ocorreria, eles trabalhavam não menos febrilmente para obter material de uma fonte mais perto de casa – o exército britânico. E enquanto os britânicos gradualmente evacuavam o país, a Haganah encontrou oportunidades crescentes para aliviá-los de sua carga massiva de chumbo e ferro”.
Ao passo que a Inglaterra rapidamente desembaraçava-se da Palestina, entretanto, a ONU era incapaz de substituí-la como autoridade efetiva, permitindo ao movimento sionista estabelecer controle sobre o território que formaria o Estado judeu. Escritos dos líderes sionistas indicam que sua política declarada era ocupar, durante o período da retirada britânica, o máximo de território possível além das fronteiras designadas pelo Plano de Partilha da ONU. Durante estes meses, as forças judaicas ocuparam cidades e áreas importantes no território destinado para o Estado árabe, assim como grande parte de Jerusalém, que deveria ser internacionalizada.


(Continua...)

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