30 January, 2007

Uma lição de historia (Parte I)

A questão Palestiniana

Parte I: 1897-1929

A execução de parte das metas do sionismo, com amplo apoio inglês e norte-americano, é sem sombra de dúvida o factor mais importante na manutenção do estado de guerra no proximo Oriente desde o início do século até os dias de hoje. Este movimento originou-se no final do século XIX, tendo como seu momento fundador o Congresso da Basiléia, em 1897, sob a liderança de Theodor Herzl.
O sionismo é decorrente da emancipação dos judeus em todos os países após o nascimento do Estado-nação moderno, garantindo-lhes direitos civis e igualdade política e legal. Esta emancipação política trouxe um problema aos judeus: a ameaça de dissolução de sua identidade, cultura e solidariedade social, e em resposta a isso houve vários tipos de posicionamento entre os quais o sionismo se destacou negativamente.
Apesar de a Palestina ter sido escolhida por seu significado religioso e histórico para o judaísmo, o movimento sionista é secular – trata-se na verdade de uma ideologia política. Ao contrário dos outros nacionalismos, porém, o sionismo, nas suas formulações anteriores a 1948, referia-se a uma terra distante e que não pertencia àquela “nação”, dispersa pela Europa e América, o que implicou na criação de um movimento que, antes de nacionalista, era na verdade colonialista: “O fato de que o sionismo de Herzl nasceu fora do país designado torna-o único entre os movimentos nacionais modernos, e estabeleceu as condições para o conflito com a população local. Enquanto os judeus sentiam que eles iam para casa na sua terra ancestral, os habitantes árabes da Palestina viam o plano sionista como uma forma de colonialismo europeu.
O historiador judaico-americano Norman Finkelstein, em importante obra sobre o assunto, identifica o ‘consenso ideológico’ em que se desenvolve a crença sionista. Para o autor, um dos elementos centrais deste consenso é a idéia de que a Palestina deveria um dia conter uma maioria judaica, provou ser o principal obstáculo para qualquer reconciliação com os árabes. Para o autor, a análise sionista da questão judaica adotou o raciocínio do anti-semitismo, que invocava o mesmo argumento para justificar o ódio aos judeus: “De fato, a prescrição que o sionismo propôs para a situação judaica também estava inscrita na lógica do anti-semitismo. O sionismo político não desejou combater o anti-semitismo, mas encontrar um modus vivendi com este. Propôs que a nação judaica resolvesse a questão judaica estabelecendo-se em um Estado que ‘pertencesse’ a ela. Para conseguir isto, os judeus teriam que se constituir em algum lugar como a maioria.”
A futura proteção prometida pela liderança sionista à minoria árabe não excluía – de fato, ela pressupunha – que, em princípio, o Estado pertenceria ao povo judeu: “O sionismo desejou estabelecer um Estado que o povo judeu poderia alegar inteiramente como sendo seu. Em um Estado assim concebido, os não judeus, mesmo desfrutando os direitos de cidadania, poderiam esperar figurar, na melhor das hipóteses, como uma excrescência no corpo político. (...) A liderança sionista não tinha nenhuma ilusão de que seu projeto não teria que ser imposto sobre a extensa maioria árabe ou que sua implementação poderia ser cumprida sem a violação egrégia das normas democráticas.”
Esta formulação sionista levou às duas questões políticas que prevaleceram durante o mandato britânico: a partilha e a transferência de população. Para o movimento sionista, a pátria ‘histórica’ dos judeus incorporava toda a Palestina, incluindo a Transjordânia, as Montanhas de Golã e o sul do Líbano (embora ainda haja facções sionistas defendendo que o ‘Sião’ estende-se dos rios Nilo ao Eufrates).
Com o apoio britânico, o assentamento judaico na Palestina tornou-se cada vez mais forte com a intensificação das ondas imigratórias – ou aliyah (‘ascensão’) . Em 1909 o Yishuv (‘assentamento’), como os esforços sionistas eram conhecidos, estabeleceu o primeiro kibbutz, ou assentamento coletivo inspirado pelo socialismo. Em 1914, havia 14 kibbutzin e uma cidade judaica também havia se estabelecido (Tel-Aviv); havia 500.000 árabes na Palestina e 85.000 judeus, dos quais 12.000 em áreas rurais. Segundo o estudioso Muhammed Muslih: “Estes novos imigrantes, que se estabeleceram em assentamentos no campo, eram europeus ignorantes e insensíveis aos costumes árabes na Palestina. Por exemplo, após estabelecer suas colônias, bloqueavam os direitos costumeiros de pastagem às vilas adjacentes, tomavam os carneiros que ultrapassavam as fronteiras e multavam os árabes que eram seus donos. Tais condutas levaram a violentos conflitos entre árabes e judeus. Os árabes sentiam-se alienados das terras que cultivaram por séculos.”
Com o término da Primeira Guerra Mundial e o fim do domínio turco, ocorreram diversos congressos árabes na Palestina, manifestando a rejeição do plano inglês de formação de um governo proporcional às religiões, a insistência na forma de governo nacional baseado na maioria simples, a abolição do princípio do lar nacional judeu, o fim da imigração judaica e a não separação da Palestina dos vizinhos árabes.
Estas demandas, no entanto, vieram a fracassar devido à política britânica de franco apoio à imigração judaica, ao crescente poderio militar do movimento sionista na Palestina e às divisões internas entre as famílias, classes sociais e seitas religiosas árabes. Como os objetivos das comunidades árabe e judaica divergiam, no final da década de 1920 começou o ciclo de violência que até hoje não terminou – devido, em grande parte, ao fato de a maior parte do movimento sionista nunca ter tentado entender a sensibilidade árabe ou vir a termos com as demandas políticas árabes. O sionismo, como se desenvolveu nos primeiros tempos na Europa, era infelizmente ignorante das reais condições da Palestina. De fato, Herzl tinha pronunciado triunfantemente o slogan “Para um povo sem terra, uma terra sem povo”, ignorando, segundo publicação da ONU sobre a questão, “o fato de que bem mais do que meio milhão de palestinos, na virada do século, viviam na Palestina, que era sua casa.” (ONU, I, cap. II)


(Continua...)

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