06 February, 2007

Uma lição de historia (parte IV)

A questão Palestiniana

Parte IV: 1967-2000

No início de 1967, o ciclo sírio-israelense de violência voltava a ficar fora de controle. Informado de que Israel pretendia atacar a Síria (informação talvez fornecida pela Rússia, que acreditava que os EUA queriam derrubar o Baa’th na Síria e isolar Nasser), Nasser solicitou a retirada das tropas das Nações Unidas e remilitarizou o Sinai. Em maio, o Egito bloqueou o estreito de Tirana, fornecendo um motivo para Israel, que já se encontrava em estado de prontidão.
As forças militares do Egito, da Síria e da Jordânia estabeleceram um comando unificado, sob a liderança de Nasser. No início de junho, o governo americano concluiu que não havia solução política para a crise e que a ação militar israelense era inevitável. Sem endossar oficialmente tal ação, o governo de Lindon Johnson comunicou as suas opiniões ao governo israelita através de canais informais. Esta garantia foi um elemento importante na decisão do gabinete israelita de lançar a ofensiva em 5 de junho.
A Guerra dos Seis Dias, como é conhecido este momento do conflito árabe-israelita, teve conseqüências profundas para o mundo árabe. Um ataque surpresa das forças israelitas destruiu as forças aéreas do Egito e da Síria, enquanto em terra Israel atacava posições egípcias no Sinai e em Gaza. A Jordânia tomou o governo internacional de Jerusalém e bombardeou Tel-Aviv; em resposta, Israel atacou e capturou toda a margem ocidental do Rio Jordão, incluindo Jerusalém, capturando ainda os Montes Golã, pertencentes à Síria.
“A guerra de 67 foi um divisor de águas na história do conflito árabe-israelense. Exacerbou a disputa colocando a corrida ao armamento e a formação militar em um nível totalmente diferente, agravando a discórdia bilateral entre Israel e os estados árabes cujos territórios ficaram sob seu controle. Um clima de humilhação e desespero prevalecia nos estados árabes, que sofreram uma derrota devastadora que não podia mais ser atribuída aos antigos regimes corruptos.
Em conseqüência da ocupação israelita na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, mais de meio milhão de palestinianos deixaram as suas casas, elevando para 1,5 milhões o total de palestinos refugiados – sendo aproximadamente 350.000 os que ficaram no Líbano, vivendo em campos de refugiados que se tornaram verdadeiros distritos das grandes cidades libanesas.
De dezembro de 1968 a agosto de 1970, manteve-se a guerra de atrito. O impasse permanecia: Israel podia derrotar três estados árabes em seis dias e tomar grandes territórios no Sinai, Margem Ocidental e Golã, mas não podia infligir uma derrota total ao mundo árabe ou usar a sua vitória militar para ditar um acordo de paz. Os territórios tomados passavam a ser itens negociados como garantias para obter a paz. No mundo árabe, a OLP ganhava sua autonomia, tornando-se um actor importante no futuro do conflito.
Para os árabes, Israel era o agressor e tinha que ser punido. Contavam com apoio da União Soviética e grande número de países islâmicos e do Terceiro Mundo. Seus esforços concentravam-se na ONU, porém como a posição israelense era apoiada pelos Estados Unidos, nada podia ser feito (além de vagas resoluções sobre a desocupação dos territórios, acção que nunca foi realmente exigida a Israel).
A resistência palestiniana, entretanto, tornava-se mais significativa. Com a permissão do Rei Hussein da Jordânia, a OLP passou a usar este país como base, formando um Estado dentro de um Estado e intensificando suas operações contra Israel: bombardeios através da fronteira Jordana e Libanesa; sabotagem dentro de Israel; violência contra alvos israelitas e judeus fora do Oriente Médio. Estas actividades tiveram um papel crucial no estabelecimento da OLP no mundo árabe e na familiarização da comunidade internacional com a Questão Palestina. Em setembro de 1970, ao ser expulsa da Jordânia, a OLP estabeleceu-se em território Libanês, construindo não apenas uma estrutura política e militar, mas também educacional.
O momento seguinte do conflito árabe-israelense foi a guerra de outubro de 1973, referida pelos árabes como Guerra do Ramadão e pelos israelitas como a Guerra do Yom Kippur. Esta Guerra foi concebida e iniciada por Anwar al-Sadat, presidente egípcio após a morte de Nasser em 1970, que acreditava que a crise energética do início dos anos 1970 havia aumentado a influência internacional dos árabes e poderia ser usada para forçar Israel a um acordo; para este processo se iniciar, seria essencial uma operação militar. O plano egípcio visava atravessar o canal de Suez e controlar sua margem oriental, ao mesmo tempo em que a Síria efectivava uma ofensiva nos montes Golã para atrair as forças israelenses. O avanço inicial sírio e egípcio teve sucesso, mas o contra-ataque israelense logo se mostrou mais eficiente: Israel atravessou o Canal e invadiu o Egito, expulsando ainda os sírios dos montes Golã. A Arábia Saudita envolveu-se no conflito, impondo, junto com o Iraque e a Líbia, o boicote à venda de petróleo aos apoiantes de Israel. A União Soviética ajudou o Egito a evitar uma derrota militar decisiva, enquanto os Estados Unidos sentiam que o momento deveria ser usado para estimular o movimento de ocidentalização do Egito.
A Guerra terminou inconclusivamente com o cessar-fogo imposto pelos norte-americanos a 24 de outubro de 1973. Nos montes Golã, Israel havia ganho mais território; no sul, detinha o controle de grande parte do território egípcio, porém os egípcios dominavam a margem oriental do Canal do Suez. Politicamente, a vitória não foi egípcia nem israelense: em Israel, havia um grande número de mortos, feridos e prisioneiros de guerra; houve um declínio interno da força do governo e enfraquecimento da posição de Israel a nivel regional e internacional, acompanhado de um aumento da influência árabe no mundo.
Uma importante conseqüência da Guerra de Outubro foi que provocou o fim do impasse que prevalecia desde 1967 entre Israel e Egito, levando-os a participar do processo de paz promovido pelos Estados Unidos – que fornecera armas a Israel no meio da guerra e ao mesmo tempo salvara o Egito de uma derrota total. Com o adiamento da questão da autonomia palestina, tornaram-se possíveis os acordos de Camp David em 1978, que selaram a paz entre Egito e Israel.
Os conflitos entre Israel e os palestinos, entretanto, continuaram. Em 1982, as forças israelitas invadiram o Líbano para acabar com a presença da OLP naquele país. À época, a moderação de Arafat, que passava a pregar a convivência com os israelitas, era uma ameaça para os objetivos expansionistas de Israel, portanto novas atitudes militares teriam de ser tomadas. Desta vez, os israelitas ocuparam boa parte de Beirute, onde a destruição foi incalculável – somente nos primeiros anos da década de 1990 a cidade passou a ser reconstruída e a recuperar parte de seu antigo glamour.
O motivo que detonou a invasão, chamada pelos israelitas de “Operação Paz para a Galiléia”, foi a tentativa de assassinato do embaixador israelita em Londres – apesar de que durante os seis meses que a precederam, os Media já ofereciam numerosas previsões sobre o acontecimento. Os seus objetivos eram: destruir a infra-estrutura militar da OLP no sul do Líbano e eliminar sua capacidade de bombardear o norte de Israel; prevenir-se contra a possibilidade de a Síria lançar uma nova guerra; ajudar a reconstruir o governo central libanês ajudando o aliado israelense Bashir Gemayel; melhorar sua posição no processo de paz destruindo a base territorial autônoma da OLP no Líbano e estabelecendo uma relação normal com um segundo estado árabe.
A ação proposta pelo ministro da defesa Ariel Sharon deveria ser curta, porém teve a duração de vários meses. Ao invés de se deter numa faixa de 40 quilômetros Líbano adentro, como propunha o plano apresentado ao público (e aos demais membros do Gabinete israelita), o exército continuou sua invasão até Beirute, onde procurou destruir as bases da OLP através de um constante bombardeamento aéreo, naval e de artilharia. A cidade foi sitiada por 70 dias. Às vezes, os bombardeios israelitas pareciam aleatórios e indiscriminados, porém outras vezes demonstravam incrível precisão. A estratégia israelita era “decapitar” o movimento palestino matando seus líderes, conduzindo uma “caçada humana aérea” a Arafat e sua entourage.
Perdendo o apoio dos líderes libaneses, que viam Beirute em convulsão devido à guerra entre Israel e a OLP, Arafat decidiu abandonar Beirute com a condição de que uma força de paz multinacional fosse destinada a proteger as famílias palestinas remanescentes. Com a mediação do enviado norte-americano Philip Habib, a Síria e a Tunísia concordaram em receber os militantes palestinos, e em 21 de agosto, uma força multinacional composta por 350 soldados franceses desembarcou em Beirute. A evacuação palestiniana começou no mesmo dia e no dia 26 chegava a Beirute o restante das tropas estrangeiras, compostas por 800 marines norte-americanos. Até o final do mês, aproximadamente 8.000 guerrilheiros palestinos, 2.600 soldados do Exército de Libertação da Palestina e 3.600 soldados sírios tinham sido evacuados de Beirute ocidental.
A estratégia israelita fracassou ao deixar o Líbano em convulsão, permitindo a entrada dos sírios, e ao reforçar a identidade e a ligação dos palestinos que, apesar de exilados, logo se reagrupariam novamente e com mais força (expulsa do Líbano, a cúpula da OLP recebeu asilo na Tunísia). Além disso, o aliado israelita Bashir Gemayel foi assassinado logo após ter assumido o governo e nenhum outro líder libanês recebeu a aprovação do governo sionista – inclusive seu irmão e sucessor, Amin Gemayel, que não contava com a simpatia israelita por causa do seu perfil acomodado e menos radical.
Avaliando as conseqüências da Guerra, o governo israelita anunciou que 344 de seus soldados foram mortos e mais de 3.000 foram feridos, enquanto centenas de soldados sírios e mais de 1.000 guerrilheiros palestinos foram mortos e 7.000 capturados. Estimativas libanesas, compiladas de fontes da Cruz Vermelha Internacional e de relatórios policiais e hospitalares, indicam em 17.825 o número de libaneses mortos, a grande maioria constituída de civis mortos nos bombardeamentos israelitas, e mais de 30.000 feridos.
Temendo a permanência de dois mil militantes palestinos da OLP nas áreas a sul e a oeste de Beirute, Israel decidiu tomar também esta parte da cidade, provocando imensa destruição e mortandade. Sob a vigilância e permissão do exército israelita, as milícias falangistas massacraram os acampamentos palestinos de Sabra e Chatila, deixando cerca de 2.700 palestinos mortos, segundo a Cruz Vermelha Internacional, o que deu um novo rumo à guerra – Israel foi forçado a concordar com a retirada de suas forças do Líbano, onde seriam substituídas por novos contingentes da força internacional. O massacre também provocou a renúncia do ministro da defesa Ariel Sharon, apontado por um relatório da câmara de deputados israelita como responsável principal pelo massacre de Sabra e Chatila.
Em maio de 1983, sob a mediação do Secretário de Estado norte-americano George Schultz, um acordo entre Israel e o Líbano efectivou a saída das forças israelitas de Beirute, porém o entendimento sobre o retorno à normalidade no sul permaneceu não efectivo porque as tropas sírias não deixaram o Líbano (pelo acordo, todas as forças estrangeiras deveriam deixar o país), além de não haver interesse para Israel na retirada de suas forças do sul do Líbano.
O trabalho das forças israelitas no sul do Líbano era complementado pelo do Exército do Sul do Líbano, milícia comandada pelo Major Saad Haddad, que passou a controlar o sul do país sob instrução e comando israelita. A região tornou-se uma área de conflito permanente, opondo a guerrilha de resistência libanesa, capitaneada pelo movimento islâmico Hezbollah, à milícia pró-israelita e ao próprio exército israelita. (Esta situação durou até maio de 2000, quando o movimento Hezbollah conseguiu impor aos israelitas uma retirada unilateral e provocou a desarticulação do ESL.) Em setembro de 1983, o exército israelita finalmente retirou-se da região central do país, mantendo-se apenas ao sul do Rio Awali.
Actualmente, nos territórios ocupados em 1967 por Israel (Gaza e Cisjordânia), predomina um regime de total falta de liberdade e respeito para com as populações locais, a quem são negados todos os direitos de expressão e organização política: Toda organização, incluindo organizações de ajuda mútua, conselhos de estudantes, etc., é proibida. As cortes religiosas muçulmanas (Sharia) perderam sua legitimidade e direito de operação, os sindicalistas são sistematicamente detidos ou expulsos. Em outras palavras, a liberdade, liberdade total de expressão e organização prevista na Declaração dos Direitos Humanos (liberdade de organização política, demonstrações, assembléias e qualquer outra forma de atividade política não-violenta) é totalmente negada aos palestinianos sob a ocupação israelense.
Além da falta de liberdade política, há ainda a questão da exploração do trabalho, pois aos palestinianos são oferecidos os piores empregos e salários mais baixos do que os pagos aos israelitas – situação que predomina até hoje nos territórios ocupados e também dentro de Israel.
Esta situação, aliada à falta de vontade israelita em cumprir os acordos de paz firmados, levou no final dos anos 1980 ao surgimento da intifada, a “revolta das pedras” palestiniana contra a ocupação e as políticas desumanitárias de Israel. Tendo seu auge de 1987 a 1991, o movimento recuou com os acordos de Oslo, que acenaram com uma possibilidade de resolução do conflito através da boa relação entre os líderes Yasser Arafat e Ytzak Rabin. O final dos anos 1990, porém viram uma guinada à direita no governo israelita – primeiro com Benyamin Netanyahu, que recuou nos acordos firmados em Oslo, e posteriormente com Ariel Sharon, conhecido entre os árabes como o “carniceiro de Beirute”, que rompeu toda conversação com os palestinianos, implementando uma violentíssima política de repressão nos territórios ocupados. Aliada à recusa de Israel em aceitar as três exigências que os palestinianos fazem para encerrar a luta de resistência (desocupação dos territórios; direito de retorno; Jerusalém como capital palestiniana), a repressão israelita aos árabe-palestinianos reacendeu a intifada em setembro de 2000, encerrando por completo as possibilidades de solução do conflito segundo os parâmetros estabelecidos nas conversções do início dos anos 1990.

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